EDITORIALJULHO-AGOSTO 2023 | Volume 23 – Número 4
A insegurança alimentar e a Saúde Oral
Prof. Doutor Paulo Melo Director de JADA (edição portuguesa) A importância que uma alimentação adequada e equilibrada tem no desenvolvimento e saúde de uma pessoa, é significativa. Ao nível da saúde oral, é sobejamente conhecido o papel que os açúcares desempenham no risco de desenvolver cárie dentária. No entanto, existem outros nutrientes fundamentais para o desenvolvimento adequado e harmónico da cavidade oral e dos seus componentes, bem como para a manutenção de uma boa saúde oral.
Mas, nem toda a gente tem uma alimentação adequada, seja por dificuldades de acesso ou por iliteracia, resultando em insegurança alimentar. A insegurança alimentar é um problema global que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Ela ocorre quando as pessoas não têm acesso regular e confiável a alimentos adequados e nutritivos em quantidade suficiente para atender às suas necessidades alimentares básicas. Este problema não apenas impacta a saúde geral das pessoas, mas também tem implicações significativas para a saúde oral, sendo um fator de risco para uma má saúde oral e aumentando as necessidades de cuidados de saúde oral não atendidas. Nesse sentido, deveremos sempre tem em consideração a alimentação que os nossos pacientes têm, dispensando especial atenção a grupos mais vulneráveis, como as crianças, as mulheres grávidas, os doentes especiais (em que se incluem os diabéticos) e as pessoas idosas. A relação entre insegurança alimentar e saúde oral é complexa e multifacetada. Olhando para os diferentes componentes deste problema, claramente encontramos um grupo de pessoas com hábitos de consumo de alimentos com alto teor de açúcar, carboidratos refinados e alimentos processados, o que aumenta o risco de cáries dentárias e doenças periodontais. Por outro lado, a falta de acesso a frutas e vegetais pode resultar numa dieta pobre em frutas e vegetais frescos, que são fontes essenciais de nutrientes como vitaminas e minerais que mantêm a saúde oral. A falta desses nutrientes pode ter implicações graves durante o desenvolvimento do aparelho estomatognático ou, mais tarde no equilíbrio fisiológico da cavidade oral, com repercussão nos dentes e as gengivas, tornando-os mais suscetíveis a doenças. Também a incerteza em relação à próxima refeição, pode resultar num problema com implicações na saúde oral, pois há um aumento de stress, como é o bruxismo. Acresce ainda o facto de que muitas vezes, estas são as pessoas que enfrentam dificuldades financeiras que as impedem de ter acesso a cuidados de saúde oral, o que pode originar problemas não tratados que se agravam ao longo do tempo. Para combater os efeitos da insegurança alimentar na saúde oral, é essencial, a par do esforço de cada médico dentista, que exista um programa de saúde pública com uma abordagem abrangente que inclua acesso a alimentos nutritivos, educação sobre saúde oral e acesso universal aos cuidados de saúde oral. Nesse sentido é importante que o programa de saúde pública inclua a promoção da saúde oral, com especial atenção para as comunidades mais afetadas pela insegurança alimentar. Esse programa deverá ter em atenção o facto de que, por vezes não é a falta de capacidade económica que origina a insegurança alimentar, mas é o desconhecimento das regras para uma alimentação saudável, que origina o problema. Por outro lado, é fundamental que a saúde oral seja incluída no conceito de cobertura universal dos cuidados de saúde, permitindo o acesso a tratamentos a toda a população. Do ponto de vista individual, o médico dentista deve estar atento a esta problemática durante a sua consulta, esclarecendo o paciente e promovendo hábitos alimentares saudáveis, de forma a corrigir potenciais problemas resultantes de hábitos desadequados. Em resumo, a insegurança alimentar e a saúde oral estão intrinsecamente ligadas, com a falta de acesso a alimentos nutritivos afetando negativamente a saúde oral. Abordar este problema requer esforços coordenados para garantir que as pessoas tenham acesso não apenas a alimentos adequados, mas também a cuidados de saúde oral adequados para prevenir e tratar problemas dentários. A propósito de insegurança alimentar, o artigo de capa que selecionei para esta edição, fala exatamente de um grupo vulnerável, como é o das grávidas, desenvolvendo alguns dos temas que eu aqui abordei. Vale a pena ler, assim como os restantes artigos que estão muito vocacionados para a prática clínica, como de costume. Votos de uma excelente leitura. |